A Morte e os Gêmeos

Há muito tempo, quando os bichos falavam e o Sol e a Lua nasciam juntos, um casal teve gêmeos, Pedro e Paulo, exatamente à meia-noite. Uma velha adivinha, conhecida da família, disse que Pedro morreria aos vinte anos. Então os pais resolveram confundir a Morte: passaram a chamar Pedro de Paulo pedro e Paulo, de Pedro Paulo.
Quando os gêmeos completaram vinte anos, Paulo Pedro se escondeu num armário, desde bem cedinho. Disse para a mulher:
- Se me procurarem, diga que fui viajar. 
A Morte foi até a casa dele antes a meia-noite – como sempre, vestida de preto, a caveira escondida pelo capuz e a gadanha* na mão direita. Quando a mulher de Paulo Pedro atendeu a porta, a Morte disse:
- Não se assuste. Não é com a senhora. É com seu marido.- Meu marido está viajando.
- Ele devia estar aqui.
- Mas está viajando.- Não, ele se chama Paulo.
    A Morte pensou um pouco e se foi para a casa de Pedro Paulo. Havia uma grande festa lá – muita bebida, muita dança. A Morte foi direto falar com o aniversariante.
    - Você é o Pedro?
    - Sim, sou o Pedro.
    - O quê?!
    - Vamos.
    A Morte não disse nada. Só olhou para Pedro Paulo. Então ele viu que não era alguém fantasiado para a festa.
    - Mas já?!
    - Você sabe, pra morrer basta estar vivo.
    - Isso mesmo. Minha missão, hoje, é levar um sujeito chamado Pedro, com vinte anos.
    - Mas eu também me chamo Paulo.
    - Eu me chamo Pedro Paulo.
    A Morte ficou na dúvida. Resolveu então voltar à casa de Paulo Pedro.
    Não encontrou ninguém.
    - Estão querendo me fazer de boba – a Morte pensou.
    Voltou à festa. Lá estavam os dois irmãos, muito alegres. Pensavam que a Morte tinha desistido.
    A Morte olhou para eles. Mesma cara, mesmos cabelos, mesmas roupas.
    Ela se aproximou.
    - Quem é o Pedro?
    - Eu – os dois disseram. - Pedro Paulo e Paulo Pedro.
    A Morte não costumava se enganar. Nem pensava no assunto. Simplesmente sabia quem tinha de levar. Mas agora estava confusa.
    Pedro Paulo se animou.
    - Você não sabe qual de nós tem de levar. É melhor não levar ninguém, pra não cometer uma injustiça.
    - Vou levar os dois – a Morte disse calmamente. - Assim terei a certeza de que não deixei o irmão certo.
    -  Mas como?! E o errado?!
    - Acidente de trabalho.
    - Posso, sim. Vocês nasceram juntos, morrem juntos.
    - Não nascemos juntos.
    - Eu sou dois minutos mais velho que ele – Paulo Pedro disse orgulhoso.
    - Então é você o Pedro que eu quero – a Morte disse.
    - Ouça.
    O relógio da igreja bateu meia-noite.
    - Está na hora e seu irmão ainda tem dezenove anos.
    E o tocou com a gadanha antes que ele tivesse tempo de se arrepender de ter falado.
    * gadanha = A foice que a morte, mitologicamente usa.
    Ernani Ssó.

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